Por Fernando Louzada¹ e Luca Louzada²
1 Professor Titular do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná e membro do comitê científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI)
Integrante da Coordenação da Rede CpE
2 Graduado em Ciências Econômicas pela USP, mestre pelo MIT e research fellow na Universidade de Stanford
Raramente vemos tanta convergência em leis associadas à educação como foi o caso da proibição dos celulares nas escolas. Se perguntarmos à comunidade escolar quais são as expectativas do que ocorrerá após a medida, talvez as respostas sejam mais diversas. Desde o início da década de 2010, diversos estudos têm investigado os impactos do uso de smartphones e redes sociais no bem-estar e no desempenho acadêmico de jovens. O psicólogo social Jonathan Haidt argumenta que a substituição de interações presenciais por uma “infância baseada em celulares” está diretamente ligada ao aumento da ansiedade, depressão e queda no rendimento escolar, recomendando medidas drásticas e imediatas para reduzir o uso de smartphones na infância e adolescência. Por outro lado, pesquisadores como Candice Odgers, professora da Universidade da Califórnia, EUA, apontam que os efeitos não são uniformes: para alguns adolescentes, especialmente os mais vulneráveis, o uso de celulares pode amplificar dificuldades já existentes, enquanto para outros pode representar uma importante fonte de conexão social e apoio emocional.
O fato é que há, no mundo, pouquíssimos estudos que avaliaram o efeito da proibição do uso de celulares nas escolas. Não há nenhum ensaio controlado randomizado, considerado o padrão ouro de estudos desta natureza, nos quais é feita a comparação com grupos que não foram submetidos à intervenção, no caso a proibição do uso de celulares.
É muito difícil comparar cenários em diferentes culturas, populações, faixas etárias, tipos de proibição e instrumentos de avaliação. Ainda faltam estudos mais robustos, que utilizem análises mais sofisticadas. De qualquer forma, já é possível identificar, em parte dos estudos, realizados em diversos países – como Espanha, Noruega e Reino Unido -, resultados positivos, como a melhora do desempenho acadêmico e a redução do bullying, o que não é pouca coisa. Outros estudos mostram efeitos nulos da proibição, enquanto alguns descrevem efeitos negativos, como o aumento da ansiedade dos estudantes.
Böttger e Zierer, pesquisadores da universidade de Augsburg, na Alemanha, fizeram uma meta-análise a partir de cinco estudos e identificaram um efeito pequeno, mas significativo, na redução do bullying, mas não uma melhora substancial no desempenho acadêmico. Sara Abrahamsson, pesquisadora norueguesa, mostrou, em estudo metodologicamente sólido, que a proibição de celulares reduziu significativamente as visitas de meninas a serviços de saúde por sintomas psicológicos e produziu melhora no desempenho acadêmico, particularmente de estudantes com origem socioeconômica mais baixa. Por outro lado, um estudo australiano não detectou efeitos no bullying, no engajamento dos alunos ou no sentimento de pertencimento à escola pós-proibição.
Diante das evidências, ainda escassas, os formuladores de políticas devem ter cautela ao implementar proibições amplas de celulares sem mais pesquisas que garantam que os benefícios potenciais superem as consequências indesejadas. Embora o uso excessivo de celulares possa estar associado a desafios na saúde mental e na educação, a simples proibição desses dispositivos nas escolas não é a bala de prata para a solução do problema. Pesquisas futuras devem priorizar desenhos experimentais ou quasi-experimentais rigorosos, com estratégias claras de avaliação, levando em consideração as características demográficas dos alunos e das escolas, que comparem diferentes tipos de restrição ao uso e que possibilitem a avaliação dos impactos de longo prazo, incluindo, além do desempenho acadêmico, saúde mental, relações sociais e adaptação às restrições tecnológicas.
A necessidade de proibição do uso de celulares nas escolas nos mostra que falhamos como sociedade. Atribuir a responsabilidade sobre a regulação do uso de celulares exclusivamente às escolas é um equívoco. Precisamos proporcionar, em casa e nos ambientes públicos, o exemplo de autorregulação que queremos ver nas novas gerações. Educação e convívio harmônico são responsabilidades que devem ser compartilhadas por todos.
Referências
Abrahamsson, S. (2024). Smartphone bans, student outcomes and mental health. NHH Dept. of Economics Discussion Paper, (01).
Böttger, T., & Zierer, K. (2024). To ban or not to ban? A rapid review on the impact of smartphone bans in schools on social well-being and academic performance. Education Sciences, 14(8), 906.
Odgers,C. & Jensen MR (2024). Adolescent development and growing divides in the digital age. Dialogues Clin Neurosci, 22(2):143-149.
Deixe um comentário