Nutrientes essenciais são fundamentais para o desenvolvimento físico e cognitivo de crianças e adolescentes e não podem ser deixados de lado devido a mudanças na rotinaO cenário de pandemia e isolamento social tem afetado diversos aspectos de nossas vidas, inclusive nossa relação com a comida. Para muitos, ficar em casa tem mudado a rotina e a constituição das refeições. A falta de diversidade dos alimentos e refeições subtraídas ou repetidas, somadas com diminuição da movimentação física, podem ser prejudiciais, especialmente para crianças e jovens em formação. Mas, a pandemia também pode ser uma oportunidade para a reeducação alimentar.Uma dieta saudável para crianças e pré-adolescentes é imprescindível para que se tornem adultos saudáveis no âmbito físico e emocional. O neurocientista e pesquisador da Rede CpE Claudio Serfaty (UFF), aponta que alguns nutrientes são fundamentais durante as fases mais críticas do desenvolvimento. Um deles é o triptofano, uma substância encontrada em peixes, ovos, nozes, leguminosas e em algumas sementes e cereais, como linhaça e aveia.“Nosso grupo mostrou, em modelos animais, que o déficit de triptofano atrasa o desenvolvimento de conexões no sistema visual e também reduz a capacidade plástica do sistema nervoso central”, diz Sefarty. “Baseado nestes dados, podemos afirmar que o déficit de triptofano produz inúmeros danos ao cérebro.”O professor destaca também que, além de educação, carinho e laços sociais saudáveis, a falta ou a inclusão dos nutrientes essenciais, está diretamente ligada ao comportamento e as atitudes dos adolescentes. No final da primeira infância (por volta dos 5 e 7 anos de idade) até o final da adolescência o desenvolvimento do cérebro ainda está em curso nas regiões envolvidas com planejamento de ações e tomada de decisões, no córtex frontal. Ou seja, o amadurecimento emocional está em formação.“A falta de triptofano durante esse período crítico de desenvolvimento pode acarretar em mudanças irreversíveis na capacidade dos neurônios, com efeitos que podem abranger aprendizado, memória e também o desenvolvimento de comportamentos ansiosos e depressivos,” alerta Sefarty.Nos últimos anos, a ciência tem demonstrado que, além da estimulação física, emocional e social, os nutrientes essenciais, ou seja, aqueles que dependem exclusivamente da alimentação, são fundamentais para a formação. Além do triptofano, estão zinco, ferro, colina, ácido fólico, iodo, selênio, ácidos graxos poliinsaturadas de cadeia longa ômega-3, 6 e 9 e vitaminas A, D, E, B3, B6 e B12.“Os nutrientes mais importantes durante o crescimento são as proteínas de alto valor biológico presentes em carnes e ovos ou na tradicional mistura de arroz e feijão”, explica a nutricionista Ericka Gonzalez, doutora em Neurociências (UFF). Alimentação e felicidadeO ômega-3, presente em nozes, castanhas, peixes, abacate e chocolate meio amargo, também é fundamental. as doses recomendadas são de 0,7g para crianças entre 1-3 anos; 0,9g entre 4-8 anos e 1g entre 9-13 anos. Essa substância ajuda a aumentar a produção de neurotransmissores responsáveis pela sensação de alegria e pode ser especialmente útil na dieta de crianças com quadros depressivos.“Estudos mostram uma relação entre o aumento de neurotransmissores relacionados ao prazer e alegria, como a dopamina e a serotonina, e o consumo de ômega-3″, diz a nutricionista. “Pesquisas em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) também mostram um grande benefício na melhora da cognição.”Contudo, os especialistas alertam que a dieta não substitui remédios receitados por um psiquiatra, pois cada caso é individual e os fatores para a melhora ou piora do quadro são diversificados.Sol e vitamina DA redução da absorção de vitamina D também pode ser problema na quarentena. Isso porque nosso organismo precisa de exposição ao sol para processar essa vitamina. A falta de absorção de vitamina D leva à diminuição de serotonina, a substância secretada pelo cérebro relacionada à sensação de prazer e ao bom funcionamento do sistema imunológico, que garante a proteção do nosso corpo a doenças e infecções.Para garantir a absorção ideal de vitamina D, a recomendação são banhos de sol na varanda ou nas janelas e a ingestão de alimentos ricos na substância, como bife de fígado, gema de ovo, peixes: “Caso seja necessária a suplementação, deve ser prescrita por nutricionista ou médico de forma individual e optar por suplementos que utilizem vitamina D3 em vez da D2, para maximizar a absorção”, explica González.Outra opção, segundo ela, é a ingestão de dois copos de leite fortificado com a vitamina D por dia. A medida ajuda crianças em desenvolvimento a alcançar o valor nutricional esperado: “Além disso, o consumo de iogurtes enriquecidos, além de fornecer vitamina D, ainda aumenta a produção de anticorpos nas regiões de mucosa, protegendo esses locais contra a entrada de vírus e bactérias”, ressalta a nutricionista. Manter uma rotina de refeições também é importante. Segundo a Cartilha de Orientação Nutricional para Crianças e Adolescentes, publicada e escrita em 2018 por médicos e nutricionistas do setor de Pediatria da UFMG, o número ideal de refeições é entre 5 a 6 por dia, sendo elas: desjejum, almoço, jantar e pequenos lanches intercalados.A diretriz, no entanto, pode ser mais difícil de seguir para muitas famílias que tiveram sua renda reduzida devido ao isolamento. Para mitigar o problema, González recomenda priorizar os alimentos in natura, ou seja, não industrializados, como: legumes, ovos, tubérculos, raízes, leguminosas, verduras e o subestimado, porém altamente protéico e nutritivo, arroz com feijão. Lições da quarentenaEspecialistas acreditam que o confinamento proveniente do isolamento social, pode ser uma oportunidade para incentivar novos hábitos alimentares saudáveis para crianças e adolescentes. Uma das dicas é manter horários certos para cada refeição. Este hábito vale para o momento de isolamento, mas também para depois, na volta à rotina normal. Outra ideia é envolver as crianças no preparo da comida, incentivando o uso e o consumo de alimentos frescos. “Estimular as crianças a ajudar no pré-preparo e preparo das refeições também é um estímulo à adoção de bons hábitos alimentares”, diz González. “O comportamento alimentar dos adultos também é extremamente importante, pois as crianças seguem o exemplo do que veem em casa.”A nutricionista alerta para a importância de não se deixar levar pela “praticidade” dos industrializados. “Tenho ouvido relatos de pessoas que estão descarregando a ansiedade e estresse na alimentação. É uma tendência de quem ainda está se adaptando à nova realidade. Outro comportamento comum que observo é a hiperalimentação de crianças como forma inconsciente de passar segurança e proteção”, comenta González. “Esses comportamentos devem ser evitados.” Sugestões para LeituraSerfaty C.A. (2011) Tryptophan intake and the influence of serotonin on development and plasticity of sensory circuits. In: Preedy V., Watson R., Martin C. (eds) Handbook of Behavior, Food and Nutrition. Springer, New York, NYde Velasco, et al. Nutritional restriction of omega-3 fatty acids alters topographical fine-tuning and leads to a delay in the critical period in the rodent visual system. Experimental neurology. Deixe um comentário Cancelar ComentárioSeu e-mail não será publicadoComentárioNome* E-mail* Site Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar.