Ao completar um ano de fundação, a Rede Nacional de Ciência para Educação promove sua terceira reunião com foco na pobreza e no aprendizado. Como a pobreza afeta o aprendizado e a educação? Os efeitos do nível socioeconômico têm repercussões abrangentes, afetando desde as funções biológicas e cognitivas, as emoções e a autorrepresentação das crianças e dos jovens. O tema foi debatido por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento na 3ª Reunião da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede Cpe), que ocorreu nos dias 23 e 24 de novembro no Rio de Janeiro.Criada em novembro de 2014, a Rede CpE tem por objetivo unir pesquisadores do país com estudos de potencial aplicação em educação, fomentar pesquisas na área e dar lastro para políticas e práticas educacionais baseadas em evidências. O 3º encontro da Rede foi realizado na sede do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), e contou com o apoio do Instituto Ayrton Senna.Segundo os pesquisadores presentes no evento, fatores ambientais, emocionais e biológicos relacionados à pobreza podem afetar negativamente o aprendizado. Somente a expectativa que se cria ligada a um estereótipo de grupo pode ter efeitos fisiológicos e psicossociais que prejudicam o aprendizado. Isso quer dizer que os estereótipos relacionados à pobreza podem impactar negativamente o desempenho escolar das crianças e jovens de baixa renda, levando-os a acreditar que têm menos capacidade intelectual.A neurocientista Eliane Volchan, da Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ), conta que experimentos conduzidos nos Estados Unidos indicam que quando estudantes de menor renda precisam declarar o seu status econômico em formulários que acompanham uma prova qualquer, seu desempenho se reduz. Além disso, os testes também mostram que quando o status econômico é declarado por indivíduos baixa renda em uma situação de avaliação, eles sofrem estresse que se traduz em mudanças fisiológicas, como aumento do batimento cardíaco, secreção de hormônios como o cortisol e liberação de substâncias inflamatórias.“Os grupos estereotipados, como os de baixa reanda, sofrem com a chamada ‘ameaça do estereótipo’, o receio de que eles confirmem os estereótipos negativos associados a eles, como a ideia perigosa de que os mais pobres têm mais chance de ir mal na escola e em testes de inteligência”, analisa a pesquisadora. “Os estereótipos se concretizam, por isso temos que ter cuidado.”A antropóloga Alba Zaluar, a neurocientista Eliane Volchan e o psicólogo Sebastian Lipina debatem sobre o impacto da pobreza no aprendizado. (foto: Sofia Moutinho)Volchan alerta que os educadores precisam estar cientes e ensinar seus alunos sobre este fenômeno. “Os professores devem encorajar os alunos a ver a inteligência como algo maleável e não fixo e comunicar que eles são valorosos não importando de que background ou status sociais venham”, diz.O psicólogo argentino Sebástian Lipina, pesquisador do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), aponta que outros fatores ambientais, como a nutrição, também influenciam no aprendizado de pessoas em situação de pobreza. Uma nutrição de baixa qualidade, especialmente nos períodos sensíveis, como durante a gestação e nos dois primeiros anos após o nascimento, podem gerar prejuízos cognitivos.“Durante o desenvolvimento o cérebro precisa de nutrientes, como o ferro, para se organizar e responder ao meio”, explica Lipina. “Quando falamos de pobreza estamos falando de um problema complexo que passa por diferentes níveis, que passa por fatores primários como a nutrição, mas não só ele.”O estudioso também destaca a importância de um ambiente estimulante para o desenvolvimento cognitivo. Estímulos como a leitura de um livro em família podem melhorar o desenvolvimento das chamadas funções executivas, como a memória e a atenção, que são fundamentais para o aprendizado.“O nível de estímulo que a criança recebe está diretamente ligado à riqueza do seu ambiente e ao nível educacional de seus pais”, aponta Lipina. “É muito importante para o desenvolvimento cognitivo ter laços sociais fortes e modelos educacionais adequados”, conta o pesquisador, que atualmente estuda possíveis intervenções educacionais para melhorar o desempenho cognitivo de crianças em situação de pobreza.A antropóloga Alba Zaluar, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), reforça a necessidade de se levar em conta a situação familiar das crianças para além do nível socioeconômico. “Nas famílias conflitadas, em que os pais lidam com conflitos com violência, em que punem as crianças fisicamente, o desempenho escolar também vai ser afetado”, comenta. “Esse tipo de contexto está associado, por exemplo, com a depressão, que vai afeta a capacidade de aprender.”Pobreza, para além da escassez financeiraOs pesquisadores concordam que o impacto da pobreza sobre ao aprendizado não pode ser reduzido a uma questão somente financeira. O sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), destaca que políticas públicas para educação baseadas somente na injeção de recursos não têm alcançado bons resultados.“Não há relação direta entre recursos investidos na educação e qualidade de ensino, em alguns países como a Finlândia essa relação é até negativa”, afirma. “Não fazemos educação sem dinheiro, mas simplesmente colocar dinheiro na educação não resolve a situação. Se continuarmos aplicando dinheiro de qualquer maneira, provavelmente não teremos resultados significativos.”O sociólogo Simon Schwartzman e pesquisadora Soo-Siang Lim destacam fatores que podem contribuir para a melhoria do aprendizado em situações de pobreza. (foto: Sofia Moutinho)Soo-Siang Lim, representante da National Science Foundation dos EUA (NSF), acredita que os estudos científicos sobre o aprendizado são fundamentais para compreender como o aprendizado pode ser melhorado e elevar o nível educacional de um país. A pesquisadora destaca a iniciativa da NSF, que em 2004 criou centros de pesquisa voltados para o aprendizado, os Science Learning Centers, que investigam diferentes perspectivas sobre o assunto do ponto de vista da ciência e com a participação de professores.“Nosso objetivo é unir grupos de pesquisadores com diferentes perspectivas e conhecimentos para trabalharem juntos para endereçar os desafios da sociedade em aprendizado”, diz Lim.Identificando oportunidades no Brasil Durante a 3ª reunião da Rede CpE também foram apresentados dados preliminares de um censo que busca identificar pesquisadores de todo o país cujos trabalhos tenham potencial de aplicação para a educação. O levantamento vem sendo feito por meio de um programa de computador de licença livre, desenvolvido pelo pesquisador Jesus Mena-Chalco da Universidade Federal do ABC (UFABC). O software captura e analisa os dados do currículo Lattes — principal plataforma de perfis científicos do país.Com a ferramenta, a Rede CpE já localizou 250 pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento (como neurociências, fonoaudiologia, psicologia e letras) que possuem pesquisas nas áreas de educação, ensino e aprendizagem e apresentam perfil colaborativo. Alguns desses cientistas já foram inclusive convidados para integrar a Rede CpE.O censo, além de permitir traçar um mapa da interface entre ciência e educação no país, vai ajudar a identificar temas ligados à educação que possam ser trabalhados em conjunto pelos pesquisadores integrantes da Rede CpE.Os dados do levantamento ainda estão sendo refinados e a perspectiva é de que sirvam de base para uma plataforma digital de consulta livre voltada para pesquisadores, professores, gestores e formadores de políticas públicas. Na plataforma será possível fazer buscas por diferentes critérios e ver as conexões entre áreas de pesquisa, grupos de estudo e pesquisadores individuais em forma de visualização de grafos.“A plataforma será um canal de comunicação importante com professores da educação básica, que são atores principais do diagnostico de deficiências e problemas que devem ser prioridade da ciência para educação, além de poder ser usada por órgão de fomento poderão para a tomada de decisão na hora de lançar editais e fomentar pesquisas em áreas estratégicas para a educação”, explica Daniele Botaro, que conduz o censo na Rede CpE.Para o ano que vem a Rede aposta ainda em outras inciativas, como agregar novos membros e estabelecer encontros entre pesquisadores e professores com o intuito de trocar experiências e gerar conhecimento na área de educação.“Nossa expectativa é programar atividades mais multiplicadoras, buscar novos formatos de encontros para estimular pesquisas que tenham fundamentação científica e também possibilidade de uso real na educação”, diz o coordenador da Rede Cpe Roberto Lent, neurocientista da UFRJ. “Nossa hipótese é que, mantendo todos os investimentos já feitos pela área da educação e adicionando conhecimentos científicos concentrado na Rede, possamos potencializar os resultados e acelerar indicadores educacionais do Brasil.” Uma resposta Mílvio da Silva Ribeiro 21/01/2016 Interessante a matéria. Discutir sobre educação, inferindo a pobreza, é contribuir com um debate pertinente e necessário para a sociedade. Penso ser necessário também desnudar a concepção que de pobreza, como se fosse algo que deve permanecer viva e moralmente enraizada na mente das pessoas. ResponderDeixe um comentário Cancelar ComentárioSeu e-mail não será publicadoComentárioNome* E-mail* Site Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar.
Mílvio da Silva Ribeiro 21/01/2016 Interessante a matéria. Discutir sobre educação, inferindo a pobreza, é contribuir com um debate pertinente e necessário para a sociedade. Penso ser necessário também desnudar a concepção que de pobreza, como se fosse algo que deve permanecer viva e moralmente enraizada na mente das pessoas. Responder